segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Clarificações sobre o perfil do estudante das IES-Pagas [uma contribuição para combater o policlassismo e a despolitização na(s) Federação (ções)].


Por Yan Allen1
Introdução
O ensino superior brasileiro passou, ao longo da história, por diversas mudanças, dentre elas a condição de classe dos seus discentes. Se por um lado tivemos durante um bom tempo a predominância esmagadora, quase que unânime, dos setores médios e da alta sociedade, por outro a recente inserção diferenciada no que tange a posição social, renda familiar, etc, mudou o perfil dos estudantes nas IES.
Contudo, é importante analisar essa entrada de indivíduos oriundos de outros extratos sociais, conjuntamente com o grande crescimento das instituições pagas.
Mas, o processo de expansão e privatização da educação superior brasileira sofreu aceleração na década de 1990, especialmente durante o governo de FHC favorecido pela sanção de legislação específica. [...] A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96), que regulamenta a Constituição, pela sua vez, permite a criação de instituições privadas stricto sensu.
Barreyro, 2008
O objetivo principal do GT de Pagas, a nosso ver, é acumular sobre a condição, e os elementos que a permeiam, dos estudantes de história dessas instituições e a partir daí formular estratégias para agregar esses discentes na Federação do Movimento Estudantil de História (FEMEH). Para isso, analisar o perfil desses estudantes é condição sine qua non para estabelecer uma acertada estratégia. Caso contrário, estaríamos debatendo sobre como agregar determinado grupo, mas sem nem saber quem é. Ou pior, correr o risco de debater a problemática que envolve tal grupo sem pensar em agregá-lo à federação a fim de combater o problema coletivamente, o que mostraria a inércia causada pelo academicismo no movimento estudantil2.
Perfil do estudante das pagas (e/ou localização do estudante-trabalhador no ensino superior)
Existe um jargão que diz “os estudantes das instituições privadas são trabalhadores e filhos de trabalhadores”. Essa afirmação está em parte errada, e se não analisada de uma forma coerente pode levar a uma conclusão equivocada. Segundo Cardoso, existem algumas variáveis que nos ajudam a identificar com maior ou menor influência o estudante na condição de estudante-trabalhador, são elas: Turno, IES (particular ou publica), curso, renda familiar.
Em uma pesquisa feita por Cardoso, ela pôde identificar que a maior parte dos discentes que estava na condição de estudante-trabalhador estava estudando a noite, justamente por permitir que este trabalhe nos outros turnos, como podemos ver no quadro abaixo:
figura 1
figura 1
*retirado do trabalho “Estudantes universitários e o trabalho” de Ruth Cartoso.
A autora exprime a seguinte opinião:
Jamais o trabalho do estudante é tratado enquanto uma opção, mas aparece sempre como compulsório. Ou seja, a inserção precoce do jovem – antes de concluir sua formação superior – no mercado de trabalho sempre aparece vinculada a condicionantes de ordem econômico-social. Volta-se, assim, a remeter o trabalho do jovem a sua origem familiar em termos das classes sociais.
Avançando nesse ponto que a autora chama atenção, o turno que o discente trabalhador está matriculado está fortemente ligado ao trabalho que em geral não é colocado como opção, para o estudante, sendo assim começamos a desvendar pontos cruciais para identificar onde está o trabalhador no campo da educação superior. É importante notar que assim como com essa pesquisa pretendemos traçar o perfil do estudante das IES pagas do Brasil, é possível também identificar onde se concentra os estudantes-trabalhadores (que por uma opção de classe, esse pequeno estudo vai se dedicar mais).
Os cursos noturnos não são exclusividades das particulares, todavia o numero de matrículas noturnas nas públicas é muito inferior, o que põe as IES pagas em um patamar de hegemonia.
O percentual de estudantes que trabalham nas instituições públicas é equivalente ao de estudantes não trabalhadores das instituições privadas. Ou seja, 33,2% dos estudantes das públicas trabalham contra 66,9% nessa situação no setor privado.
Cardoso, 2008
Essa diferença apresentada pela autora citada, é facilmente compreensível quando analisamos a quantidade de matriculas entre os turnos e as respectivas instituições34.
Na ilustração abaixo podemos ver a colossal diferença.
figura 2figura 2
Na carreira de biologia, os estudantes se concentram em atividades de ensinoepesquisa(pesquisadores ou estagiários de institutos de pesquisa), ainda que seja expressivo o percentual de estudantes que trabalham como auxiliares de escritório. É importante observar, a propósito, as diferenças existentes entre os estudantes do curso de biologia – da USP e UNICAMP – e desse mesmo curso em uma universidade privada. Com exceção da ocupação de professor,que absorve de maneira significativa os estudantes de ambos os tipos de instituição, as atividades de pesquisa foram mencionadas apenas pelos estudantes das instituições públicas e a ocupação de auxiliar de escritório apenas pelos estudantes da UNIMEP, do campus de Piracicaba.
Cardoso, 2008
Na pesquisa da autora foi considerado trabalho toda atividade remunerada, desde bolsa de pesquisa, a estágio em sala de aula, ou ainda trabalho totalmente fora da área estudada. Permitam-nos analisar trabalho sob a consideração da autora a fim de facilitar a compreensão do que se segue, ainda que, para nós, nem todos que exercem atividade remunerada pode ser de fato considerado estudante-trabalhador. Tal situação exemplificada na citação não é algo específico de biologia, e sim das licenciaturas, salvaguardando raras exceções. Aqui é evidenciado uma precarização da qualidade da aprendizagem, já que o trabalho (na área estudada) – por si só – dificultaria essa atividade. Mas como se não bastasse, muitos dos estudantes de IES pagas, não só trabalham, mas ,com grande possibilidade, pode exercer atividade que não tem relação direta com o curso. Geralmente esses trabalhos, citado por ultimo, são os que mais dificultam a saída do estudante para atividades ligadas ao ensino e/ou a militância no M.E. (Movimento Estudantil).
No Brasil temos atualmente, segundo o ENADE de 2009, 214 Instituições de ensino superior paga com o curso de História. Dessas, 75% tem o curso a noite (podendo haver concomitantemente o curso diurno, todavia com a queda no numero de matricula nas licenciaturas, nem sempre forma turma), e 25% divide-se entre EAD, diurno ou curso suspenso. Esses números são importantes para, diante das estatísticas apontadas no início do texto, tentar esboçar o perfil do estudante de história das universidades, faculdades e centros universitários. Em geral, trabalhador, em virtude de sua condição de trabalhador-estudante, tem de se matricular em um turno onde poderá realizar as duas atividades, como visto acima.
É extremamente importante para a compreensão da proposta politica que esse texto carrega, entender o perfil da maior parte dos estudantes de instituição de ensino superior particular, que, não por acaso, são a maior parte dos estudantes no ensino superior.
Em defesa do Estudante Trabalhador
Como já tomamos conhecimento, esses estudantes, que são também trabalhadores, terão dificuldades para ocupar os espaços de deliberação máxima da federação, já que o formato desde é encontro. A condição econômico-social dos encontristas, na maior parte das vezes, lhes dá condições a fim de gozar dos encontros, que atualmente conta com muita despolitização, reduzindo o evento, para muitos, em apenas uma excursão prolongada pra quem tem tempo e dinheiro. O formato atual, que lembra muito uma colônia de férias, mas que sustenta o falacioso discurso de garantir um diálogo com a base, afastará o estudante-trabalhador e, por conseguinte os estudantes das instituições pagas. A impossibilidade da participação destes está diretamente ligada à sua relação com o trabalho, pois imaginar um trabalhador fora do seu local de trabalho por um período de 7 a 12 dias é algo inimaginável.
O debate, a formação e politização da base deve ser feito em cada escola, já que como vimos, a limitada “base” dos encontros não contempla a colossal base estudantil (ainda que essa ultima não se reconheça enquanto tal)5.
Afirmamos isso com o objetivo precípuo de, contrapondo o atual formato, propor o congresso de base como formato onde poderá agregar os estudante das IES-pagas, inclinando o MEH para uma lógica classista, já que esse formato entra como proposta em detrimento do anterior, em virtude de permitir que os anseios da base tenham mais possibilidade de serem pautados pela federação.
Visamos com isso fortalecer a democracia de Base para que as deliberações venham da base, das assembleias de cursos, com a eleição de delegados com mandatos imperativos e revogáveis (esses atributos para um mandato não pode ser apenas palavra de ordem, e nem ser mediados por uma burocracia).
É no mínimo razoável, pensar que essa mudança hoje não resultaria em nada, pois como é possível observar no nosso primeiro texto como contribuição ao GT de Pagas da FEMEH6 tem IES que possui o que chamamos de cultura política e IES que não possui. As que não possuem são justamente as que nasceram com a expansão do neoliberalismo no país, sem qualquer estrutura que garantisse a democracia interna, e essa mesma expansão foi responsável por aumentar de forma absurda o numero de IES no Brasil. Portanto, esse trabalho aponta pra uma perspectiva diferente da que alguns grupos defendem, apesar de usarem um discurso “pro-congresso”. Defendemos, para um bom desenvolvimento da proposta do congresso de base, o desenvolvimento da cultura politica dentro das IES-pagas. É necessário fomentar auto-organização desses estudantes (centro acadêmico que garanta espaços reais de democracia, onde, como resultado, a base dirija a direção), apresentar a contradição que estão imersos, e através desses instrumentos de luta, atuar de forma mais intensificada em momentos que permita que seja feita uma formação classista e emancipatória, criando assim uma base real.
Sabemos que a dinâmica da sociedade não pode ser resolvida com formulas matemáticas, e o que propomos está longe disso, não tem qualquer relação com uma perspectiva teleológico, e sim com uma alternativa revolucionária com base no materialismo dialético (que quebra com o teleologismo), expressão teórica da classe trabalhadora.

Bibliografia:
BRANDÃO, Alan. OLIVEIRA, Uilton. SANTOS, Yan: Contribuição ao GT de Pagas da FEMEH, 2011,http://femehnacional.files.wordpress.com/2011/07/contribuic3a7c3a3o-gt-de-pagas-2011.pdf
BARREYRO, Gladys. Mapa do Ensino Superior Privado: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira2008, Brasília.
CARDOSO, Ruth SAMPAIO, Helena ; Estudantes Universitários e o trabalho, ? ,http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_03.htm
INEP. Centro da Educação Superior: 2004-2006. Brasília. Disponível em:http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.asp.
GTPE-ANDES. A contra-reforma da educação superior: Uma análise do ANDES-SN das principais iniciativas do governo de Lula da Silva: 2004, Brasília.

1 Estudante de Filosofia na UFBa e formado em História na UCSal.
2 Problemática levantada caso o acúmulo do GT finde em si mesmo.
3É importante ressaltar que tal pesquisa foi concluída antes do aprofundamento do REUNI, portanto é possível que a ilustração acima mereça uma atualização, em virtude dos cursos noturnos que tal programa possibilitou abrir, todavia diante do crescimento das IES pagas a alteração não é tão gritante, permanecendo tal hegemonia.
4O estudante das federais noturno atuam no mundo do trabalho de forma similar aos estudante das pagas noturno.
5Sobre essa questão, com suas devidas particularidades, cito Marx: “A questão não é aquilo que este ou aquele proletário ou mesmo todo o proletário se representa num dado momento como objetivo. É aquilo que é o proletário e aquilo que, em conformidade com o seu ser, será historicamente obrigado a fazer” Marx, A Sagrada Família.